O Caso CARREFOUR: Porque eu me Preocupo com o Boicote à Empresa

dezembro 10, 2018

Na última semana a foto da cadela Manchinha circulou nas redes sociais seguido de diversos protestos, pedidos de esclarecimentos e de boicotes. Ela foi espancada e morta por um funcionário do Carrefour em Osasco, em São Paulo.

Nas redes sociais me perguntaram: e então Ju, como fica para a marca Carrefour? Como você analisa o caso? O que eles fizeram de errado?

O que aconteceu com a rede de supermercados foi o típico erro em sua comunicação durante uma crise de imagem. Surpreendentemente, a rede estava pouco preparada para lidar com esse tipo de situação, o que aumentou consideravelmente a gravidade da repercussão negativa do caso.

O caso aconteceu no dia 28 e, em pouco tempo depois,imagens e vídeos da cadela ferida e do segurança acusado já circulavam em grande escala nas redes sociais, causando protesto e também envolvimento de artistas, que exigiam a solução do caso e a punição do responsável.

Quando há a associação do nome de uma marca, que é um bem valioso a ela, a um evento negativo ou trágico, é preciso a tomada de ação de maneira efetiva para que o caso seja esclarecido e não haja consequências indesejáveis duradouras para a empresa.

É preciso que a empresa apareça logo depois do ocorrido e comunique ao público de maneira mais transparente possível o que está acontecendo, pois é isso que se espera ouvir dela. Não quer dizer que nessa primeira resposta a empresa terá qualquer tipo de posicionamento concluído ou respostas definitivas, pois é preciso um tempo para que as investigações aconteçam e, essa declaração seja então justa e verdadeira.

Entretanto, é preciso mostrar-se disponível, preocupada e ciente da situação, evitando assim que a notícia espalhada gere especulações sobre a não aparição da marca e o sentimento negativo em relação a ela aumente.

 

Os Erros do Carrefour

O primeiro erro na gestão desta crise foi o tempo de resposta. O Carrefour deveria ter aparecido publicamente o mais rápido possível, de preferência em horas, e não dias depois.

Entretanto, o maior agravante foi o conteúdo da resposta em si: um exemplo do que não fazer. A empresa terceirizou a responsabilidade, justificando o ocorrido e lavando as mãos em relação ao caso. Além disso, ao justificar apresentou versões conflitantes ao que foi apresentado pela prefeitura de Osasco e o Centro de Zoonoses, o que pôs em risco a sua credibilidade.

Nesse momento, a empresa que poderia ter saído ilesa ou de forma neutra da situação, chama a atenção para si ao demonstrar insensibilidade com o ocorrido.

Além de tentar se isentar da responsabilidade, as notas frias e padronizadas não ajudaram muito no estabelecimento da confiança de seus consumidores. Pelo contrário, mostraram o despreparo da empresa ao lidar com uma era em que a autenticidade, a humanidade e a transparência são exigidas por nosso novo comportamento de consumo.

No dia em que a empresa comemorava o recebimento de um investimento de 2 bilhões para a expansão da rede, perceberam que o investimento em inovação e em crescimento também poderia ser seguido do investimento em humanizar as relações com a sua audiência e em refletir a cultura da marca em ações junto a seus colaboradores internos, o que facilitaria a coerência na comunicação e um maior preparo para lidar com a situação.

Toda empresa está sujeita à crises de imagem e, apesar de não ser possível controlá-las – são diversos os fatores, humanos ou não, que podem causá-las – é possível impedir que o caso tome grande proporções negativas para a marca. Isso tudo por meio da comunicação, da transparência, da coerência entre ações e discursos, do engajamento da empresa e colaboração para a resolução do caso.

 

O boicote à marca Carrefour – e a minha preocupação

Sim, a marca cometeu um grande deslize ao não se mostrar tão engajada com o caso que chocou a todos no país.

Entretanto, a marca – e não apenas o funcionário – vem sendo acusada pela culpa da morte da cadela. Como consequência, surgiram movimentos de boicote à marca, como a sugestão do fim do patrocínio dela no programa Masterchef: “Vão continuar usufruindo de produtos de supermercado que maltrata seres indefesos?”

No caso, o que me preocupa é que não há dissociação entre um indivíduo e todo o grupo.

A empresa deve ser punida, de acordo com os discursos que foram disseminados.

Mesmo quando a empresa em nenhum momento endossa tal comportamento, dificulta as investigações, possui tal prática disseminada internamente ou se tem notícias de que tal ação seria valorizada pelos seus executivos.  

Sendo assim, por que a empresa também é culpada pelo caso?

 

O caso da crise da United Airlines versus o caso Carrefour

Se lembrarmos do caso da United Airlines, que perdeu 4% do valor da empresa após retirar à força, de maneira totalmente inapropriada, um passageiro da aeronave, a reação nas redes foi similar e tomou grandes proporções.

Em nota, a empresa em vez de se desculpar, justificou a ação, reforçando as políticas adotadas pela empresa.

Logo depois, o CEO na época também seguiu a linha e usou palavras não tão calorosas e nada próximas à realidade do que aconteceu para justificar-se em um meio pedido de desculpas.

Além de a empresa claramente não querer se desculpar, o CEO, em carta passada na empresa internamente, ainda defendeu a tripulação do avião e endossou as políticas que levaram ao despejo do passageiro.

Após essa resistência inicial e muito caos na companhia, o CEO foi finalmente afastado e um pedido de desculpas foi oficializado.

Nesse caso, fica evidente que o comportamento que a empresa adotava como política interna no tratamento de seus passageiros não era aceitável e seus consumidores então exerceram suas vozes para mudar tal situação.

No caso do Carrefour, mesmo que tardiamente, ou não de forma tão calorosa, a empresa se desculpou em nota oficial e tomou as medidas necessárias para a investigação.

Apesar de ter acontecido nas dependências e por um funcionário, não há indícios de que essa seja uma prática recorrente ou endossada pela organização. Talvez, esse cuidado possa ter sido desvalorizado até então, mas será que a ponto de ser merecido o boicote?

Se não há tolerância a erros, mesmo com um pedido de desculpas e a ação de afastamento do funcionário, há riscos de que esse comportamento se estenda a outras situações não diretamente relacionadas.

Se não há o desejo de consumir aquela marca, se não há identificação com os seus valores ou a sua personalidade, não há necessidade em consumi-la. A vontade em dar voz ao boicote (que é diferente de boicotá-la por conta própria) e à sua culpa, pode também ter outras razões.

Alguns me disseram que a empresa não é uma empresa que valoriza o funcionário, que tem problemas internos, por isso o boicote seria justo. Outros de que a prática de morte aos animais não têm a devida atenção e que esta não deveria ser normalizada, por isso a ação é justa.

Nesses casos, a crise com relação à marca soa quase como uma “situação Mártir”, ou seja, o fato por si foi a gota d’água para uns com relação a comportamentos prévios da empresa e para outros a oportunidade de ativamente dar voz à causa da proteção aos animais, que vem sendo deixada de lado.

Não cabe a mim dizer se a marca merece ou não ser culpada por esse ou outros fatos.

O perigo consta em distorcer a responsabilização e, por pressão social ou pressão das redes sociais, outros sejam negativamente impactados por um fato isolado, na tentativa de talvez fazer justiça por situações anteriores.

Nossa vontade de fazer justiça, mas sem analisar todos os lados e pensar calmamente a respeito deles vem com responsabilidades. Assim como fake news são facilmente disseminados, como não dizer que o que é disseminado como a medida mais sensata do que deve ser feito foi sensatamente discutida e analisada?

Além disso, a culpa de todo um grupo por causa da ação de um único indivíduo é muitas vezes causa de preconceito e grande violência na sociedade.

A disseminação de tais discursos pode ter dois fatores que contribuem: a de que estamos protegidos por trás das nossas identidades online e por trás do senso comum, e de que o caso em questão leva uma grande corporação como o centro da discussão. E nós temos dificuldade de enxergar que haverá algum mal ao boicotá-la. Afinal, é uma empresa bilionária e estrangeira.

“Não entendo como tem gente que defende uma corporação desse tamanho“ – usuário do Twitter

Se pensarmos no mesmo caso, mas em vez de uma loja Carrefour o lugar da tragédia tivesse ocorrido em uma loja familiar, em que os donos não estivessem presentes e o segurança da empresa tivesse cometido o mesmo ato. Mesmo que antes, outros funcionários tivessem alimentado e cuidado da cadela. Será que o boicote aos donos teria tido vez?

 

Vozes Caladas

Outro risco – e para mim o mais grave – é a diminuição da tolerância a discursos opostos. Sem debate, não há negociação, não há pensamento crítico e nem aprendizado. Sem debate, há espaço para a imposição cega, baseado em sentimentos e não em fatos.

E sem opiniões diversas, não há debates.

Whinderson Nunes, expressou sua opinião com relação ao caso, mas por pressão de seus seguidores acabou voltando atrás.

Pode ser que tenha mudado de opinião. Ou pode ser que decidiu não se desgastar com uma possível explicação do que ele realmente pensa. Ou ainda porque simplesmente preferiu não desagradar a maioria de seus fãs.

De qualquer forma, quem perde somos nós.

É preciso entender que sim, é possível mudar de opinião. Não há vergonha nisso.

Mas eu só serei capaz de potencialmente mudar de opinião quando eu conseguir ouvir diferentes perspectivas, quando eu entender que diferentes opiniões não tornam uma pessoa melhor ou pior. E quando todos entendermos que debate não é sinônimo de agressão e não deveria ter a conotação negativa atual.

Na verdade, a palavra debate quer oficialmente dizer: “discussão séria de um assunto em que muitas pessoas participam”

É preciso entender que debates são momentos para o conflitos de ideias – Tão necessárias para o nosso exercício intelectual e evolução saudável. 

E, por isso, precisamos aprender a debater e a conviver com perspectivas e opiniões diferentes. Isso, claro, se quisermos evoluir como sociedade.

 

Sobre Juliana Saldanha

Sou Estrategista em Personal Branding.
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